Pesquisadores denunciam situação crítica em 2ª Marcha Pela Ciência no Brasil
“O orçamento para ciência,
tecnologia e educação que está delineado para o ano que vem é dramático. Agora,
mais do que nunca, temos que nos mobilizar”, declarou o presidente da SBPC,
Ildeu de Castro Moreira
Rio
de Janeiro, São Paulo, Brasília, São Luís (MA) e Porto Alegre (RS) realizaram
no sábado, 2 de setembro, a 2ª Marcha Pela Ciência no Brasil. O evento,
organizado pela Campanha Conhecimento Sem Cortes para acontecer inicialmente na
capital carioca e depois ganhou adesão de mais cidades, teve como objetivo
alertar a população sobre a gravidade dos cortes orçamentários que vêm
impossibilitando o desenvolvimento de pesquisas vitais para o desenvolvimento
do País e poderão comprometer a formação dos futuros cientistas.
Com
apoio da SBPC, as marchas marcam o início de um grande movimento nacional em
defesa da ciência, da tecnologia e da educação diante dos graves
contingenciamentos neste ano e da previsão de cortes ainda mais impactantes
para as áreas na Proposta de Lei Orçamentária de 2018 (PLOA 2018). Exemplo
disso é que na proposta apresentada pelo governo na última quinta-feira, 31, as
dotações de CT&I relacionadas ao Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) foram eliminadas, o que deixa projetos como o Sirius, do CNPEM, e o
Reator Multipropósito, sem garantia nenhuma de recursos.
O
presidente das SBPC, Ildeu de Castro Moreira, afirma que os movimentos terão
continuidade nas próximas semanas, com ações junto ao Congresso Nacional, na
expectativa de reverter os cortes previstos para 2018 e recuperar o que foi
contingenciado em 2017.
“O
orçamento para ciência, tecnologia e educação que está delineado para o ano que
vem é dramático: estão desenhando valores extremamente baixos, que não mantêm a
ciência brasileira. Houve cortes muito significativos, já tivemos esse ano um
contingenciamento brutal, da ordem de 45%, e estamos fazendo uma campanha muito
grande para repor esses recursos”, disse ele, durante a Marcha no Rio de
Janeiro, realizada em frente ao Museu do Amanhã.
Moreira
alerta que os cortes terão impactos profundos nas atividades do CNPq, da Capes,
da Finep, bem como em todos os projetos e bolsas de pesquisa, na formação dos
jovens e no funcionamento das universidades públicas. Ele destaca que a SBPC e
suas mais de 130 associações científicas afiliadas, organizações de CT&I, a
Academia Brasileira de Ciências (ABC), vêm fazendo uma grande campanha
nacional, juntamente à população e ao governo, com manifestos constantemente
encaminhados ao presidente da República, aos ministros, deputados e senadores.
“Agora, mais do que nunca, temos que nos mobilizar mais e mais, para atuarmos
com força e conseguirmos reverter esse cenário”, disse.
Alerta à
população
Reunidos
em frente ao Museu do Amanhã, pesquisadores, alunos e professores das
Universidades Estadual e Federal do Rio de Janeiro – UERJ, UFRJ -, de
institutos, representantes de associações e deputados mobilizaram cerca
de mil pessoas entre os participantes da Marcha e a população que passava por
ali e parava para participar das atividades. Haviam estandes das instituições,
música e discursos para informar a população sobre a gravidade da situação de
penúria que a ciência brasileira enfrenta hoje por consequência das políticas
de cortes do governo.
“Estamos
aqui para denunciar os 40 bilhões cortados da ciência. Uma situação gravíssima
para quem pensa o Brasil do presente e o Brasil do futuro. Não sei se teremos
esse futuro com esse governo”, disse a deputada Jandira Feghali, em divulgação
ao vivo da Marcha em seu Facebook.
Ela
entrevistou o deputado Celso Pansera, que também participou da manifestação no
Rio de Janeiro: “O governo precisa entender que tem que apartar o orçamento da
ciência e da educação, porque sem isso não tem como sair da recessão”, declarou
Pansera.
A
presidente da Associação Nacional de Pós-graduandos, Tamara Naiz, discursou no
palanque levantado na Praça Mauá, em frente ao Museu do Amanhã e ressaltou a
importância da participação dos pesquisadores brasileiros na manifestação.
“Hoje
sentimos uma grande sensação de insegurança com o nosso futuro. A gente sente
como se tivesse vivendo uma desconstrução do nosso futuro. E é por isso que é
importante que a gente esteja atento e forte pensando qual vai ser o amanhã. O
amanhã da ciência brasileira, mas, também, o amanhã do nosso país. A bolsa de
pesquisa é uma necessidade para o país que precisa se desenvolver em novos
patamares, que precisa atrair muita gente para desenvolver sua ciência”, disse,
ressaltando a insegurança dos pesquisadores que vivem agora em constante ameaça
de cortes no financiamento de seus trabalhos.
Naiz
foi enfática ao destacar à plateia a necessidade de todos se envolverem na luta
em defesa da ciência brasileira. “A gente sabe que a ciência e a educação têm
muito potencial para desenvolver o País. Elas geram conhecimento, riqueza,
geram oportunidades, e devem estar a serviço do bem estar do nosso povo”.
Sem ciência,
sem avanço
Em
São Paulo, a Marcha Pela Ciência se concentrou em frente ao MASP e, com apoio
da Polícia Militar, que se prontificou a parar o trânsito e escoltar os
manifestantes, a Marcha seguiu pela Avenida Paulista, por cerca de 1km, até o
prédio do escritório da Presidência da República na cidade. Os cartazes e
o coro que entoava “Se para a ciência não avança o Brasil” chamaram a atenção
dos carros e pedestres, que paravam para assistir à manifestação.
Ao
final, o grupo de cerca de 200 manifestantes bradou em uníssono o manifesto da
Marcha: “Nós, pesquisadores brasileiros, estamos na rua, pela ciência
brasileira. Estamos aqui para denunciar o desmonte da ciência que vem
acontecendo por falta de verbas. Estamos aqui para dizer que sem ciência, o
Brasil não avança. Sem ciência, não há remédio, não há alimentação, não há
transporte público. A ciência não pode ser considerada gasto. Ciência é
investimento. Investimento para retomada do desenvolvimento brasileiro. Sem
ciência não há amanhã”.
A
tesoureira da SBPC, Lucile Floeter Winter, destacou a importância desse tipo de
manifestação de conscientizar toda a sociedade para o papel que a ciência tem
no cotidiano das pessoas e no desenvolvimento do País. “É um movimento que é
importante. Estamos lutando por liberdade, por independência, por soberania
nacional e para conscientizar todo mundo que todo dia a ciência está na vida de
cada um”, afirmou.
Uma
das organizadoras do evento, a bióloga da USP, Nathalie Cella, falou da
importância dos cientistas se juntarem às manifestações. “Estamos nesse ano com
¼ dos recursos que tínhamos em 2010, a expectativa é que isso caia e que a gente
não tenha nem bolsas para os nossos estudantes, e que mais laboratórios se
fechem. Precisamos agora sair dos nossos laboratórios para tentar continuar a
ter ciência. Precisamos começar a pensar em política científica, criar coragem
e investir nosso tempo nisso”, alertou.
Apesar
da participação pequena, considerando o tamanho da população de pesquisadores e
universitários em São Paulo, o divulgador científico Roberto Takata, que também
atuou na organização do evento, acredita que esta segunda Marcha teve um
impacto maior do que o esperado. “Considerando que organizamos em quatro
dias, conseguimos, somente na base do gogó, ter mais impacto com a caminhada
pela Avenida Paulista. Mesmo sem esperar muito impacto dessa vez, acabou saindo
bem maior do que esperado”, disse.
“É
um movimento que tem demonstrado resistência em defesa da ciência brasileira”,
descreveu Vinícius Soares, secretário-geral da ANPG, em São Paulo. “O que está
acontecendo no País é realmente um desmonte de tudo aquilo que a gente
conquistou a duras penas. Sem ciência, teríamos uma epidemia descontrolada de
zika vírus. Se o Brasil não olhar a ciência como investimento, ficar olhando
sempre como gasto e cortar sempre que tem crise, não vamos conseguir avançar
para nenhum lugar. A ciência é o que nos dará o norte para retomarmos o
crescimento do País”, disse.
A
Marcha paulista contou com grande participação dos pesquisadores dos Institutos
de Pesquisa do Estado de São Paulo. “O sucateamento está acontecendo com a
ciência, nos institutos do governo e nas universidades. Pertenço a um dos 18
institutos do Estado de São Paulo, e todos nós estamos brigando para que a
ciência tenha uma postura de engrandecimento, porque sem ciência, a gente não
vive”, declarou Maria Margarida de Melo, pesquisadora aposentada do
Instituto de Botânica. Segundo ela, a situação é crítica nos três institutos da
Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo.
Elaine
Viana Martins, assistente técnica de pesquisa do Instituto Geológico, disse que
a participação na Marcha é a luta para garantir o futuro dos filhos e netos
desta geração. “Vim para mostrar a importância da pesquisa científica, não só
para o Estado do São Paulo, como para o País. Sem pesquisa séria, nada se faz.
É importante que os pesquisadores pensem na carreira, na pesquisa. Estamos aqui
lutando por todos. Sem nos manifestarmos, não teremos chances”, afirmou.
Processo de
engajamento
Segundo
o secretário regional da SBPC no Rio Grande do Sul, José Vicente Tavares, essa
segunda Marcha Pela Ciência é parte de um processo de engajamento de toda a
comunidade científica e sociedade com a política científica nacional que deve
continuar e tomar corpo, especialmente pelas redes sociais. “O momento político
é crítico. Por isso, além do número de participantes presentes à manifestação,
foi importante ver a repercussão. Há um processo de comunicação que continua
pelas redes sociais e nas instituições”, afirmou. Em Porto Alegre, a Marcha foi
realizada no Parque da Redenção, com concentração no Monumento do
Expedicionário e reuniu cerca de 100 pessoas, entre representantes da SBPC, da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), do sindicato dos professores
municipais, entre outros, além de deputados. Os participantes fizeram
pronunciamentos, divulgando a situação grave que os cortes deixaram sobre as
instituições.
“Esse
tipo de manifestação é fundamental nesse momento para esclarecer a sociedade do
tanto que a juventude será afetada. É preciso mostrar para a população que sem
verbas não teremos universidades”, comentou Luiz Alves Ferreira, secretário
regional da SBPC no Maranhão. Em São Luís, uma van levou alunos, pesquisadores
e professores da UFMA à Praça da Lagoa, onde foi montado um telescópio, músicos
se apresentaram e os organizadores distribuíram um manifesto público pela ciência
à população que passava pela praça no sábado. “Imprimimos 400 manifestos,
e todos foram entregues”, comemorou Ferreira. O documento, produzido pela
SBPC-MA junto com o Laboratório de Divulgação Científica Ilha da Ciência, em
parceria com a Associação dos Professores da Universidade Federal do Maranhão
(Apruma) e o Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN/MA), alerta que os cortes
para CT&I comprometem a educação, ciência e tecnologia e inovação, saúde e
outras políticas públicas (leia o manifesto aqui).
“No
sábado, essa manifestação em São Luís atingiu cerca de mil pessoas. Nosso
objetivo é continuar com essas manifestações”, confirmou Ferreira.
Em
Brasília, a Marcha foi convocada pela Secretaria Regional da SBPC no Distrito
Federal e contou com a participação de cerca de 60 pessoas, conforme
conta a conselheira da SBPC, Fernanda Sobral. A manifestação teve participação
da ANPG, de funcionários do CNPq, da reitoria e pesquisadores da UnB, entre
outros. “Falamos sobre os cortes e as previsões ainda piores para 2018. Como
início, foi bom. O papel dessa primeira fase de manifestações foi demonstrar a
gravidade da situação. Os pesquisadores falaram sobre os impactos sociais que a
interrupção de seus projetos pode causar, foi muito informativo”, comentou,
acrescentando que o movimento foi o início de uma série de mobilizações que
devem ser realizadas daqui para frente.
Daniela Klebis
– Jornal da Ciência
[Notícia extraída do seguinte endereço: http://www.jornaldaciencia.org.br/edicoes/?url=http://jcnoticias.jornaldaciencia.org.br/1-pesquisadores-denunciam-situacao-critica-em-2a-marcha-pela-ciencia-no-brasil/]

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