A produção de artigos científicos como instrumento para uma visão crítica das desigualdades regionais
Como a universidade pode contribuir para a comunidade onde está
inserida? O que pode fazer um graduando além de cursar componentes
curriculares? Essas são questões refletidas nos corredores e salas de qualquer
instituição que preze por uma educação inclusiva e engajada com as mudanças
sociais necessárias para uma vida melhor. Mas sair da reflexão para a ação nem
sempre é fácil.
Nesse sentido, o curso de licenciatura em Geografia da Universidade de
Pernambuco, em seu Campus de
Petrolina (interior de Pernambuco) vem, sistematicamente, produzindo ações que
buscam envolver a comunidade em suas pesquisas, bem como proporcionar uma
devoluta dos seus resultados. Entretanto, por mais que os docentes se esmerem
em um trabalho inclusivo, esbarram nas limitações de tempo para orientar tantos
estudantes e de investimento, cada vez mais escassos em tempos de cortes na
educação pública. Com isso, dezenas de alunos, principalmente aqueles que
trabalham para manter-se na universidade, não têm acesso às experiências da
pesquisa acadêmica ligadas à Iniciação Científica, ficando de fora de uma parte
significativa da construção do conhecimento na academia.
Vivenciando esse árduo
contexto, procuramos desenvolver uma prática que pudesse aliar a observação
crítica do cotidiano e a produção do conhecimento acadêmico para a comunidade.
Assim, inserimos a produção de artigos
científicos como parte dos processos avaliativos e culminância das atividades
desenvolvidas em dois componentes curriculares da nossa graduação, a saber
“Região e Regionalização” (5º período) e “Geografia Regional do Brasil” (6º
período). No primeiro componente, damos atenção às discussões polissêmicas. No
segundo buscamos associar às teorias estudados ao cotidiano, ou como
entendemos, ao espaço vivido de cada um, numa perspectiva multiescalar.
Os objetos de estudo de cada pesquisa são
escolhidos pelos próprios alunos, a partir daquilo que desperta seus interesses
desde que estejam dentro do que se vivencia nos componentes curriculares. As
orientações ocorrem nos encontros semanais em sala de aula, onde
disponibilizamos 1 hora para orientação quanto a estrutura e normatização de um
trabalho acadêmico e 3 horas de orientação com cada equipe. Os trabalhos de
campo são realizados nos fins de semana e as visitas a órgãos estatais ou
privados que sejam de interesse da pesquisa são agendados de acordo com as
possibilidades dos estudantes. A cada novo encontro em sala, sistematizamos o que
vem sendo coletado. Essa prática também recebe a ajuda imprescindível de
colegas docentes, tanto durante o processo de pesquisa quanto na sua avaliação.
Após três semestres, nossos estudantes
produziram artigos que discutem temáticas distintas entre si, mas são
extremamente pertinentes para a comunidade. Com isso, tivemos artigos que
tratam da gestão dos recursos hídricos no Município de Petrolina (PE) na
perspectiva da Lei de Águas; a requalificação do espaço urbano em bairros
periféricos de Juazeiro (BA); a centralização e consequente segregação no uso
dos serviços públicos e privados de saúde em Petrolina; as representações
territoriais do semiárido brasileiro na visão estatal e como isso influencia a
formulações de políticas públicas de desenvolvimento regional; a conquista do
território e a resistência de uma comunidade quilombola no Município de Casa
Nova (BA); o processo de mercantilização do ensino superior brasileiro e sua
espacialização em Petrolina e as parcerias público e privadas na instalação de
grandes corporações multinacionais no estado da Bahia.
As temáticas distintas evidenciam a
riqueza do olhar de quem tem a liberdade e a criticidade para entender o seu
entorno, assim como destaca a Geografia e o seu protagonismo nas análises
regionais e territoriais objetivando problematizar, denunciar e contribuir
propositivamente para uma sociedade menos desigual.
A resistência inicial dos alunos, muito em
função da apreensão sobre o novo ou sobre a aparente pressão de produzir um
artigo logo dá lugar a um envolvimento incondicional ao trabalho. Quando os
alunos têm liberdade para associar o que estudam ao que observam, vem à tona
uma das maravilhas da prática docente: poder despertar o interesse por uma
pesquisa inserida nas demandas sociais.
A região do vale do São Francisco não é o
oásis do sertão como as propagandas pró-agronegócio apregoam em busca de
sensibilizar o capital nacional e estrangeiro e mão de obra qualificada e
barata. Entretanto, por conta da dinâmica regional que contribui para uma desigualdade
crescente, permite pesquisas com diversos olhares e abordagens.
Objetivamente, os artigos produzidos têm
servido como base para trabalhos de conclusão de curso, bem como são
apresentados em eventos acadêmicos. Entretanto, a maior contribuição dessa
prática é permitir a vivência da pesquisa com seu rigor acadêmico e a liberdade
de construir conhecimento a partir das demandas da sociedade.
O contexto brasileiro atual faz urgir uma
universidade que saia dos seus muros e grades e dê liberdade para que mais
estudantes explorarem as benesses do aprendizado da pesquisa acadêmica e
busquem as demandas locais para nortear suas produções. Podemos fazer isso
contribuindo com a formação de profissionais que observem o seu lugar e
produzem conhecimento a partir dele.
A prática da produção dos artigos é sempre
avaliada positivamente pelos estudantes que a desenvolvem e pelos docentes que
a acompanham a avaliam. Mais artigos estão por vir.
[Notícia
extraída do seguinte endereço: http://pensaraeducacao.com.br/observatorio/2017/12/14/a-producao-de-artigos-cientificos-como-instrumento-para-uma-visao-critica-das-desigualdades-regionais/]
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